O jornal Público de ontem trazia uma notícia sobre aquilo a que resolveram chamar a tirania do pensamento positivo.
O artigo aborda o grande avanço que significa o facto de já se começar a ouvir a palavra cancro com bastante frequência, começando a colocar fim àquilo que a sociedade vê como um tabu. Cada vez se morre menos de "doença prolongada".
Mas o que me chamou a atenção foi o facto de vários especialistas dizerem que é preciso mais. É preciso que doentes oncológicos, familiares e amigos vivam a dor abertamente, sem necessidade de a esconderem daqueles que mais amam. E que digam, sem dificuldade, palavras como morte.
Como "especialista na matéria", não podia estar mais de acordo.
O artigo tocou-me e levou-me aos anos de 2008 e 2009. Foi horrível receber o diagnóstico de "linfoma não sei das quantas", mas a ficha só caiu dias depois quando o médico disse "cancro" com todas as letras.
Mas mais difícil que isso, foi revelar a notícia a família e amigos. Isso sim, é muito doloroso.
No meu caso, tentei resguardar todos da melhor maneira que consegui e houve pensamentos que nem no diário me atrevi a exteriorizar, por pensar o quão doloroso seria um dia para quem lesse, caso não conseguisse sobreviver à luta.
Foram momentos de solidão que me impus, por achar que seria melhor para todos.
Não sei se terá sido a melhor solução, mas foi a que na altura me pareceu mais adequada.
A partilha deste tipo de dor e medo, ainda que muito necessária, é dificílima pois maior que a nossa dor é o instinto de proteger quem amamos. Como se o nosso silêncio passasse despercebido aos nos conhecem melhor ...
Pode ser que um dia o paradigma de partilha mude e, como qualquer outra questão cultural, todo este processo se torne mais simples.
Até lá, não deixemos de perceber o avanço que é falar de cancro sem medo, não só para atenuar dores como para despertar a atenção para a necessidade de estar atento a certos sinais e vigiar a saúde dentro daquilo que é razoável.
E, acima de tudo, para que se perceba que o cancro não tem de ser uma sentença de morte.
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Pois, então eu como outra "especialista no assunto", concordo muito com o que disseste.
ResponderEliminarEu acho que partilhei bastante da minha dor, mas de facto houve coisas que não disse mesmo a ninguém, não só com medo que se concretizassem, como com horror de magoar ainda mais que me acompanhava.
Curioso, que mesmo muito doentes, nunca deixamos de pensar no bem estar dos outros.
Mas vejo de facto uma grande diferença, desde o tempo em que a minha avó esteve doente ( e que acabou por falecer com aquela doença) e o tempo em que eu tive um linfoma e que todos sabiam que era um tipo de cancro.
Evoluímos, mas talvez seja preciso mais.