Sendo as questões éticas bastante subjectivas em muitos casos, o legislador português resolveu agir e deixar preto no branco aqueles que são os direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida , incluindo aquilo a que chama direitos não clínicos, e até os dos seus cuidadores.
A Lei 31/2018 de 18 de Julho merece ser lida, não só por clarificar partes daqueles que são os argumentos dos opositores da eutanásia (direitos que decorrem da ética médica e que qualquer profissional com formação mínima em cuidados paliativos já assegura), como por conter conceitos curiosos e por ser claramente só mais um passinho daquele que é o caminho para respeitar o direito a viver de forma digna até ao fim.
Isto porque não basta prever direitos, é preciso que existam condições no terreno para que eles sejam uma realidade e neste ponto estamos muitíssimo atrasados como se sabe.
Não querendo maçar-vos com uma análise aprofundada (os juristas conseguem ser muito chatos, eu sei), limito-me a salientar alguns pontos do diploma:
Entre o conjunto de direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, está o direito a não sofrerem de forma mantida, disruptiva e desproporcionada.
Considera -se, para este efeito, que uma pessoa se encontra em contexto de doença avançada e em fim de vida quando padeça de doença grave, que ameace a vida, em fase avançada, incurável e irreversível e exista prognóstico vital estimado de 6 a 12 meses.
As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida têm direito a ser tratadas de acordo com os objectivos definidos no seu plano de tratamento, previamente discutido e acordado, e a não ser alvo de distanásia, através de obstinação terapêutica e diagnóstica, designadamente, pela aplicação de medidas que prolonguem ou agravem de modo desproporcionado o seu sofrimento, em conformidade com o previsto nos códigos deontológicos da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros e nos termos de normas de orientação clínica aprovadas para o efeito
As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, desde que devidamente informadas sobre as consequências previsíveis dessa opção pelo médico responsável e pela equipa multidisciplinar que as acompanham, têm direito a recusar, nos termos da lei, o suporte artificial das funções vitais e a recusar a prestação de tratamentos não proporcionais nem adequados ao seu estado clínico e tratamentos, de qualquer natureza, que não visem exclusivamente a diminuição do sofrimento e a manutenção do conforto do doente, ou que prolonguem ou agravem esse sofrimento.
As pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida têm direito a receber cuidados paliativos através do Serviço Nacional de Saúde, com o âmbito e forma previstos na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos.
Considera-se ainda prestação de cuidados paliativos o apoio espiritual e o apoio religioso, caso o doente manifeste tal vontade, bem como o apoio estruturado à família, que se pode prolongar à fase do luto.
Os cuidadores informais da pessoa em contexto de doença avançada e em fim de vida que recebe cuidados paliativos em ambiente domiciliário têm direito a receber formação adequada e apoio estruturado, proporcionados pelo Estado através da articulação entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Os profissionais de saúde devem requerer o direito ao descanso do cuidador informal da pessoa em contexto de doença avançada e em fim de vida que se encontra em ambiente domiciliário sempre que tal se justifique (NOTA - este é um dos tais conceitos curiosos. Resta saber como se concretizará este direito ao descanso - em que moldes será previsto, presumivelmente no código do trabalho, a quem será requerido (?) - eu diria que em 1.º lugar terá de ser ao próprio legislador porque não o conheço no nosso ordenamento jurídico, etc, etc, etc.).
No âmbito dos cuidados de saúde primários, os profissionais de saúde têm a obrigação de sinalizar todos os casos de pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida que se encontrem em ambiente domiciliário sem acesso ao devido apoio estruturado e profissionalizado
À pessoa em situação de últimos dias de vida, é assegurado o direito à recusa alimentar ou à prestação de determinados cuidados de higiene pessoal, respeitando, assim, o processo natural e fisiológico da sua condição clínica.
São direitos não clínicos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, nos termos previstos na lei:
a) Realizar testamento vital e nomear procurador de cuidados de saúde;
b) Ser o único titular do direito à informação clínica relativa à sua situação de doença e tomar as medidas necessárias e convenientes à preservação da sua confidencialidade, podendo decidir com quem partilhar essa informação;
c) Dispor sobre o destino do seu corpo e órgãos, para depois da sua morte, nos termos da lei;
d) Designar familiar ou cuidador de referência que o assistam ou, quando tal se mostre impossível, designar procurador ou representante legal;
e) Receber os apoios e prestações sociais que lhes sejam devidas, a si ou à sua família, em função da situação de doença e de perda de autonomia.
Aguardemos serenamente pela operacionalização.
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