sábado, 19 de setembro de 2009

Experiência trágico-cómica

É engraçado como o mesmo acontecimento pode, passado algum tempo, ser vivido e sentido, pela mesma pessoa, de forma diferente.

A experìência que vou contar faz-me rir agora mas, na altura, foi assustadora.

Na semana anterior ao início da quimio, recomendaram-me um homeopata "muito bom" que me poderia ajudar a minorar os efeitos secundários. E lá fui eu. A consulta foi conseguida por uma pessoa amiga que contou ao sr. dr. qual o problema que me levava à consulta.

Quando entrei no consultório e me sentei, o sr. dr. olha para mim e diz-me, com os olhos arregalados e um sorriso que só consigo qualificar como irónico, "então, também foi apanhada?".

Quanta sensibilidade e tacto.

Fui, respondi eu meia atordoada, enquanto pensava, tem calma Susana, isto não te está a acontecer.

"Sabe porque é que o câncer existe?".

Não

"Porque interessa à indústria farmacêutica, que ganha 200 mil dólares, por ano, por cada paciente".

Naquele dia estava tão em baixo, fisica e psicologicamente, que não me lembro de metade das coisas que aquele ser simpático me disse. Tive de fazer um esforço hercúleo para não desmaiar, palavra. Como já não sei bem o encadeamento do monólogo, sim que eu estava a concentrar as minhas forças para não cair ali redonda, vou só contar excertos, para que tenham uma ideia.

"Sabe que só 60% das pessoas que fazem quimio é que sobrevivem?; Morrem da cura?".

"Estive aqui a ver as suas respostas ao questionário sobre hábitos alimentares. Sabe que se está a envenenar, ao comer tantos lacticínios?". E lá destilou o seu ódio à indústria de lacticínios.

Ao mesmo tempo que debitava informação e números, virava para mim o écran do portátil e frisava "Não sou eu que digo. Está aqui, vou imprimir, vai levar para casa para ler e tirar as suas ilações".

"Vai precisar de fazer uns tratamentos". Há um que está proibido em Portugal. Sabe porquê? Porque é muito barato. Mas eu faço-lho".

"Não pode é contar-lhes" (aos da medicina convencional).

"Vai precisar de uma receita. Que idade tem o seu médico de família?". 60 anos.
"Ah, ainda está muito fechado. Não vai perceber".

"Vou fazer-lhe aqui um exame. Mas não vai pagar mais por isso. Por uma questão de consciência não cobro consulta aos meus pacientes de câncer".

"Vai ter de tomar uns suplementos alimentares. Temos tido excelentes resultados. Tenho aqui uma paciente, a D.ª ...., que tinha câncer, estava em estado terminal. quer ver o relatório? Veio cá e passados 3 meses fez um exame e já não tinha nada. Quer ver o resultado do exame?".

"Só estou a mostrar-lhe o processo porque ela autorizou, claro. Vou dar-lhe o número de telefone da D.ª ... e vai telefonar-lhe para confirmar".

Nesse dia acreditei estar mesmo a viver um filme de terror, que durou 2 horas (já o meu pai tinha ido espreitar ao consultório para saber se estava bem).

"Vou estudar o seu processo e 6.ª feira volta cá".

Como gosto de dar sempre o benefício da dúvida às pessoas, e detesto fazer juízos precipitados, voltei na 6.ª feira.

"Leu a informação que lhe dei?". Não. Não tive tempo nem disposição. Tive de levar a m/ filha de 2 meses ao médico. "Agora tem de se concentrar em si, não pode preocupar-se com os outros".

Claro, levar a m/ filha de 2 meses ao médico, que estupidez a minha.

"Telefonou à D.ª....". Não.

"Estudei o seu processo e vai precisar destes suplementos". E começou a ler 2 páginas de suplementos e a explicar as suas funções. "Vai precisar também de fazer uns tratamentos".

Eu nem conseguia falar, estava mesmo em choque com um sr. dr. tão sui generis.

Passadas quase 2 horas, que aquelas "consultas" são mesmo intermináveis, o sr. dr. chama a funcionária e diz "vai buscar estes suplementos".

Nessa altura fui buscar forças não sei onde e consegui balbuciar "sr. dr. pode dar-me uma ideia sobre o valor que tenho de pagar?".

Ah, claro. Vou fazer a conta e pega na máquina de calcular. Começa a somar as verbas e chegou a um valor de setecentos e tal euros.

Setecentos e tal euros em pastilhas :))). Nem vou comentar o valor, mas deu para perceber porque é que o sr. dr., "por uma questão de princípio, não cobra consulta aos pacientes de câncer". Não consegui foi perceber a crítica aos valores ganhos pela indústria farmacêutica :)

Achei muita piada (agora à distância) aos métodos. Setecentos e tal euros e nem uma pergunta para saber se estaria prevenida, como diz o povo. Mas também, para quê? ando sempre com setecentos e tal euros no bolso.

Claro que o sr. dr. aceitava multibanco. O terminal Multibanco estava em cima da secretária, mesmo ao lado da máquina calculadora.

Bem, disse eu, tenho de falar com o meu marido. 2.ª feira digo alguma coisa.

Não foi pelo dinheiro, claro. Se a cura estivesse aí...

Confesso é que um médico que precisa que os pacientes leiam artigos publicados na net para acreditarem nele, mostra processos de outros pacientes, tem uma calculadora e um terminal Multibanco em cima da secretária e, acima de tudo, revela tanta falta de sensibilidade, não merece propriamente a minha confiança.

Isto, apesar de saber que a D.ª .... está curada, pois conheço a família.

Ai se fosse hoje. Tinha-lhe dito umas coisas. Agora limito-me a sorrir, quando me lembro daquela experiência surreal.

1 comentário:

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