quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Susana, a cobaia

Hoje vou contar a história da Susana, a cobaia.

Acredito que contar uma história na qual sou personagem principal possa parecer muito narcísico. Mas esta é a verdadeira história, "contada na 1.ª pessoa" e sem floreados.

Até me ter cruzado com o terrível Sr. Hodgkin, nunca tinha sido operada e só tinha levado um ponto quando extraí o dente do siso. Estava longe, portanto, de saber o que era ser retalhada e cozida. Fiquei, por isso, maravilhada quando foi removido o 1.º linfoma e não senti absolutamente nada. Achei espantoso como é que era possível estar a ser esquartejada sem dor e completamente lúcida.

Na altura pensei nos 1.ºs desgraçados que foram operados, sem anestesia e com métodos completamente arcaicos. Enfim, senti-me uma sortuda por ter nascido no século XX e só ser operada no século XXI.

Não me lembrei foi que os médicos não nasceram ensinados a operar e dar pontos. Tiveram de começar por alguém.

E claro, calhou-me a mim ser cobaia de dois deles.

Quando a médica que me iria fazer o parto me apresentou a estudante de medicina que estava ao seu lado e pediu autorização para que ela assistisse, não percebi o significado do verbo assistir em contexto médico.

E só no final, quando comecei a ouvir "mais para cima, aí não senão vais aleijar; protege o períneo, protege o períneo; mais um ponto; isso, muito bem", e coisas do género, é que percebi que o momento mais importante da minha vida tinha coincidido com uma aula prática, no sentido mais literal da expressão.

Apesar de a sensação ser muito estranha, afinal estava a ser cozida "naquele" sítio, correu tudo muito bem. Acho até que a médica, que no fim me agradeceu por a ter deixado "assistir" ao parto, vai ter muito sucesso no mundo da medicina.

Passados uns tempos, estava eu deitada e com aquele tecido verde esterilizado (não me lembro o nome que lhe dão) a tapar-me a cara, começo a ouvir "cuidado, assim não"; "mais para o lado"; "cuidado".

Estava só a colocar um cateter jugular, coisa pouca pois então. Já tinha uma boa experiência com estagiários. Tudo controlado, portanto.

"Ai desculpe, estava distraída". Como?!!! A médica estagiária que, pelos vistos, estava a tentar colocar-me o cateter estava distraída?!!!

Caramba, aí fiquei um pouco apreensiva. Ok, a morrer de medo.

"Queres sair?", "estás um bocado branca". "Sim, se calhar é melhor". E lá saiu da sala.

"Não sei o que é que tem, já assistiu comigo a outras implantações de cateter", dizia o médico às enfermeiras.

E eu suava.

No final, lá regressou a pobre, que quase desmaiou em cima de mim, e pediu-me desculpa. "Nunca me tinha acontecido isto". Deixe lá, é normal (normalíssimo, diria até), se calhar já não comia há muitas horas. "Pois é".

Quando voltou a sair, perguntou uma enfermeira à outra "quem é ela?"; "Não sei, aho que pediu à Administração para vir fazer um estágio".

Nada contra os estagiáros, antes pelo contrário. Podiam era ensinar-lhe que um paciente que está sob o efeito de anestesia local ouve e percebe tudo. "Estava distraída"?!!!. Bolas, escusava de ser tão sincera. Eu ia morrendo do coração, com o susto.

Mas tudo está bem, quando acaba bem.

E ficam mais duas experiências "diferentes" para contar aos netos.

3 comentários:

  1. É, para "leigos" que ainda não tiveram contactos "fortes" com os nossos estabelecimentos de saúde, torna-se estranho o que escreveste no post; para mim, que já sou calejada nessa matéria, lamento esse tipo de acontecimentos...mas não estranho. Já passei por tantas situações dessas, surrealistas!
    Vou citar uma, só para verem como funciona "a saúde" neste cantinho, à beira-mar plantado.
    Num hospital Oncológico a médica que me atendeu,disse-me, mais ou menos, o seguinte: olhe, vou ser mto sincera consigo; segundo os exames que fez, tem de ser operada rapidamente. Aqui, antes de um mês ou dois, não tenho equipa que o faça e a senhora não pode esperar esse tempo. Vejo que tem um bom subsistema de saúde...ainda não a aconselharam nenhum cirurgião "lá fora"? E, menos de uma semana depois, estava eu operada, e estou a contar esta história; se não tivesse o dito subsistema de saúde ou não tivesse possibilidades económicas para recorrer "ao privado", já não estaria a fazê-lo! bjs

    ResponderEliminar
  2. também tenho passado por umas semelhantes...é que como os hospitais são universitários andam sempre uns estudantes a assistir a consultas.

    Espero que estejas bem e que os tratamentos não te estejam a custar muito.

    beijocas.

    ResponderEliminar

Obrigada por dar vida a este blog.

Volte sempre senhor carteiro

  Volte sempre senhor carteiro. Volte sempre.