sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Que temos para oferecer aos nossos idosos?

Há dias disse que iria começar a escrever sobre os idosos e tudo aquilo que envolve tratar de alguém no final da vida, mas tudo aconteceu de forma tão rápida e intensa que só agora o faço.


Os últimos dias foram de uma enorme dureza, cheios de dúvidas, questões éticas e um enorme sentimento de impotência.


Mas foram sobretudo dias em que recebi uma enorme lição da vida.


Peço desculpa se for perdendo a linha do raciocínio mas para além de uma partilha de experiência que creio poder vir a ser importante para ler, aquilo que vou escrevendo servirá também para ir expiando a minha dor.


O meu avô foi militar durante alguns anos e sempre se impôs a si mesmo muitas regras. A hora de sentar à mesa era sagrada. Almoçava às 12h30 em ponto, estivesse quem estivesse, porque achava que era essa a hora mais higiénica para o fazer.


Podia estar cheio de fome desde as 11h da manhã ou não ter fome nenhuma às 12h30, mas era a essa hora que comia.


Quando decidiu deixar de comer (e digo decidiu porque foi mesmo que aconteceu), percebi de imediato o seu objectivo. Se dúvidas tivesse, tinha-as perdido no momento em que lhe disse que não podia estar uma semana sem comer (o tempo que faltava para a consulta mensal de cardiologia) e, em resposta, me olhou nos olhos e perguntou "porquê"?


Note-se que estou a falar de alguém que apesar de ter 89 anos estava perfeitamente lúcido e tinha uma memória de fazer inveja a qualquer jovem.


Enquanto o permitiu, fomos tentando compensar a falta de alimentação com vitaminas mas a situação física começo a degradar-se de tal forma que, rapidamente, tivemos de decidir o que fazer.


O meu avô só saía de casa quando era estritamente necessário. Gostava era de estar no seu sofá, a estudar gramática, inglês, francês, alemão, italiano. Sempre o vi assim.


Lembro-me que em miúda, no dia em que afinava o piano, ninguém podia fazer um "ai" naquela casa.


Era um génio e, como qualquer génio, tinha as suas peculiaridades.


Optar entre um lar ou apoio permanente ao domicílio foi fácil.


Tirá-lo de casa teria sido uma atrocidade.


Pudemos cumprir essa sua vontade porque o meu avô trabalhou e poupou muito.


A solução é extremamente dispendiosa, como não poderia deixar de ser já que envolve, entre muitas outras coisas, o trabalho de 3 pessoas.


E neste ponto coloca-se um dos muitos dramas com que se debatem as famílias nestes momentos.


Os lares também são caros. Têm de ser, para conseguirem prestar um apoio de qualidade. Cuidar de um idoso envolve não só o trabalho, como uma parafrenália de coisas, desde fraldas a cadeiras de rodas, almofadas anti-escaras, camas articuladas, cremes (...).


E eu pergunto quantas famílias conseguem suportar estes encargos?


Existem alguns apoios, claramente insuficientes, e muita falta de informação.


Uma das coisas que senti, nestes dias, foi a ausência de uma estrutura de apoio à família. Onde pode a família dirigir-se para obter esclarecimentos? Quem presta apoio psicológico?


E quem forma os profissionais para lidar com a vida de pessoas tão frágeis? Tivemos a sorte de encontrar excelentes profissionais (no meio de alguns muito maus) mas foi sempre notória a necessidade de se eximirem de responsabilidades .


 Até entendo que se queiram proteger, não o podem é exteriorizar e, com isso, aumentar a carga que já recai sobre a família (sobre isto falarei mais tarde). Porque há decisões que exigem muita racionalidade.


Se calhar fomos nós que não procurámos bem esse apoio, tão perdidos que estávamos mas a verdade é que até nas urgências do hospital senti que as famílias são um bocado abandonadas à sorte de se cruzar com a boa vontade ou maior disponibilidade dos profissionais. E isso é completamente inaceitável.





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